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quinta-feira, 29 de maio de 2014

Lembranças de morrer na Terra do Sonhar

          A mim, o único que me velava, era meu velho pai, a quem a dor corria e corroía a alma. E meu corpo jazia belo no caixão. Houvera eu de morrer só, sem um tostão. Amargurado e sem orações, jazia eu morto, vazio dos dois corações.

         A cena triste se seguia, uma rimada cantoria, felicidade das crianças na contramão, pleno dia de São Cosme e Damião. As balas e doces corriam e o riso solto surgia, piada de ironia, com gosto de crocitar. O corvo da morte me via e o meu corpo tremia, havia eu de ressuscitar.

Escrito em 16 ou 17 de janeiro de 2014 e levemente inspirado nos poemas nisso:

Se eu morresse amanhã!

E nisso:

Lembrança de Morrer


terça-feira, 13 de maio de 2014

Do mediano ao nada


Escrever sem ter que escrever. Apenas por escrever. Talvez numa forma de se deixar se mediano, medíocre. Apenas pra se permitir errar, e assim possivelmente, melhorar.


Escrever apenas pra exercitar. Trabalhar as palavras mesmo sem imaginação. Pra tentar ser criativo mesmo dentro desse paradoxo. Escrever qualquer coisa, e tentar dar algum segmento. Tirar a primeira frase do nada, e seguir escrevendo de forma que seja tudo coeso e coerente. Pode fazer isso, ou simplesmente ignorar tudo e não dar sentido a nada, afinal não precisa.


Continuar escrevendo só pra manter o texto vivo e comunicando com o leitor, escrever porque uma folha branca por mais bela que seja, fica ainda mais bonita com uma boa história pra contar. Não precisa ser feliz, nem triste. Nem bonita, só precisa deixar sua pequena marca, ou não marcar, afinal nem tudo é pra ser marcante. Muito é pra ser apenas trivial. Mas não menos importante. Escrever porque sim. Escrever, por que não? 


Escrever porque sem a escrita o escritor morre de fome, a língua morre pelo desuso e a imaginação morre atrofiada. Tantos motivos pra escrever e talvez nenhuma motivação. Tantos temas a serem explorados e mesmo assim brincar com o nada parece convidativo. É como fazer uma operação matemática errada pelo simples fato de ver o absurdo acontecer. Ou de ver algo acontecer. Escrever até cansar-se e perceber que a escrita não vai bem, nem medíocre, nem mediana, nem ruim, nem nada. Porque na verdade você não escreveu nada.

domingo, 15 de dezembro de 2013

Coisas e histórias





Corda, gancho, bala de prata e raiz de mandrágora.
Corda, gancho, bala de prata, raiz de mandrágora.
Foto by me.

De onde isso veio? Quem o criou?

Por que mãos esse alimento passou antes de vir parar no meu prato?


Quantas histórias esse corredor observou?


Quantas pessoas ficaram felizes ao ver essa paisagem?


Quantas vidas esse objeto mudou?


Muitas perguntas, muitas respostas…


As coisas, elas tem uma história muito grande… Eu tenho uns colares de dentes de animais, e observando-os parei pra pensar. Esses dentes um dia foram partes de um ser vivo, um ser vivo que viveu (oh! Que óbvio!), andou por lugares… Procurou por comida, teve vontades ainda que apenas instintivas, viu coisas ao redor do mundo. E nisso que percebi que todas as coisas, que de alguma forma a gente tem ou utiliza ou convive ou foda-se o que você faz com ela, mas ela tá em contato com você, tem todo um histórico, um passado e talvez tenha vivido muitas transformações até estar agora com você. E isso não é só pra objetos inanimados, úteis ou inúteis, decorativos ou necessários, isso é empregado principalmente em pessoas. Imagine o quanto essas pessoas tiveram de experiência ainda por quão pouco elas tenham vivido. Imagine o que você pode aprender com elas. Imagine o quão marcadas elas são, e que cicatrizes elas carregam consigo. Então, a lição que fica dos dentes de búfalos e lobos do mar é essa: O que as coisas têm a nos dizer? 


 Talvez também digam: O que as pessoas têm a nos dizer?


Então ouça-as.


Ouça-as e as ajude a continuar sua história, enquanto você escreve sua própria.

Dentes e uma cruz amiga.



terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Oscilações


31/05/13

Em uma tarde tediosa, envolta em algum ritmo de estudo, eu consigo perceber o quão oscilatório pode ser meu humor. E por que não meu caráter? Porque momentos insensatos podem trazer à tona ações deploráveis, mesmo que uma pessoa se comporte como Gandhi nos momentos de sensatez.

Isso de fato não é uma bipolaridade, nem o transtorno e tampouco uma expressão pra descrever uma mentalidade variável, mesmo porque não consigo visualizar o psicológico humano como sendo uma única coisa de dois polos, mas sim uma aberração figura  complexa multidimensional, multifacetada, polifásica e multipolar.

Talvez as oscilações de humor se devam a uma margem de irritabilidade fácil. Ou então a processos mentais mais complexos que deixem a personalidade mais volúvel. Ou ainda ao balançar que o barco da alma sofre no mar da vida. Mas no fundo isso não importa desde que as pessoas consigam conviver com você e ainda mais importante, que você conviva bem consigo mesmo.

E eu continuo me perguntando por que a consciência humana e racionalidade humana não podem ser consideradas uma aberração? Quero dizer, tendo a vista todos os outros seres vivos, talvez sejamos uma aberração natural.

Esperança


Hope is beauty, personified.
Fonte: Desconhecida.


Então é disso que se trata crescer? Errar. Levar porrada, continuar, seguir adiante, levar mais porrada. E ainda arrumar mais força pra seguir adiante.


A luz no fim do túnel ainda não se apagou, ainda não. Nem vai, sempre haverá, se você acreditar que haverá mais alguma.


Esperança.


A mãe de todas as crenças e religiões.


É disso que se trata, o apoio final dos homens.


E é também por isso que eles não a deixam morrer. A fizeram imortal.


Ela é aquilo que faz os homens seguirem adiante apesar de tudo.


Ela é aquilo que eu desejo encontrar.


É aquilo que eu vou ser.


Aquilo que desejo que você  encontre.


Aquilo que no fundo todos nós somos, embora não saibamos.

domingo, 16 de junho de 2013

Terrorismo Poético



Capítulo de "Caos, os Panfletos do Anarquismo Ontológico" de Hakim Bey.

"It's not about money... it's about sending a message."
 Dançar de forma bizarra durante a noite inteira nos caixas eletrônicos dos bancos.

Apresentações pirotécnicas não autorizadas. Land-art, peças de argila que sugerem estranhos artefatos alienígenas espalhados em parques estaduais. Arrombe apartamentos, mas, em vez de roubar, deixe objetos Poético-Terroristas. Sequestre alguém e o faça feliz.


Escolha alguém ao acaso e o convença de que é herdeiro de uma enorme, inútil e impressionante fortuna – digamos, 5 mil quilômetros quadrados na Antártica, um velho elefante de circo, um orfanato em Bombaim ou uma coleção de manuscritos de alquimia. Mais tarde, essa pessoa perceberá que por alguns momentos acreditou em algo extraordinário e talvez se sinta motivada a procurar um modo mais interessante de existência.


Coloque placas de bronze comemorativas nos lugares (públicos ou privados) onde você teve uma revelação  ou viveu uma experiência sexual particularmente inesquecível etc.



Fique nu para simbolizar algo.


Organize uma greve em sua escola ou trabalho em protesto por eles não satisfazerem a sua necessidade de indolência e beleza espiritual. 


A arte do grafite emprestou alguma graça aos horríveis vagões do metrô e sóbrios monumentos públicos – a arte-TP também pode ser criada para lugares públicos: poemas rabiscados nos lavabos dos tribunais, pequenos fetiches abandonados em parques e restaurantes, arte-xerox sob o limpador de pára-brisas de carros estacionados, slogans escritos com letras gigantes nas paredes de playgrounds, cartas anônimas enviadas a destinatários previamente eleitos ou escolhidos ao acaso (fraude postal), transmissões de rádio piratas.

Cimento fresco...

A reação  do público ou choque-estético produzido pelo TP tem de ser uma emoção  menos tão forte quanto o terror – profunda repugnância, tesão sexual, temor supersticioso, súbitas revelações intuitivas, angústia dadaísta – não importa se o TP é dirigido a apenas uma ou várias pessoas, se é “assinado” ou anônimo: se não mudar a vida de alguém (além da do artista), ele falhou.

TP é um ato num Teatro da Crueldade sem palco, sem fileiras de poltronas, sem ingressos ou paredes. Pare que funcione, o TP deve afastar-se de forma categórica de todas as estruturas tradicionais para o consumo de arte (galerias, publicações, mídia).

Mesmo as táticas da guerrilha Situacionista do teatro de rua talvez já tenham se tornado conhecidas e previsíveis demais.

Uma primorosa sedução  praticada não apenas em busca da satisfação  mútua, mas também como um ato consciente de uma vida deliberadamente bela – talvez isso seja o TP em seu alto grau. Os Terroristas-Poéticos comportam-se como um trapaceiro totalmente confiante cujo objetivo não é dinheiro, mas transformação .

Não faça TP Para outros artistas, faça-o para aquelas pessoas que não perceberão (pelo menos não imediatamente) que aquilo que você fez é arte. Evite categorias artísticas reconhecíveis, evite politicagem, não argumente, não seja sentimental. Seja brutal, assuma riscos, vandalize apenas o que deve ser destruído, faça algo de que as crianças se lembrarão por toda a vida – mas não seja espontâneo a menos que a musa do TP tenha se apossado de você.

Vista-se de forma intencional. Deixe um nome falso. Torne-se uma lenda. O melhor TP é contra a lei, mas não seja pego. Arte como crime; crime como arte.

domingo, 5 de maio de 2013

Ritual de Domingo

Ponho a lasanha gelada pra assar. Amasso o alho e corto a cebola. Lavo o arroz. Fogo. A panela meio molhada chia. Manteiga e azeite. Alho e cebola dourando. O cheiro bom se espalha pelo ar enquanto uma cerveja é aberta. Coloco arroz na panela. Ponho água pra ferver. Um momentinho, bebo, penso na vida. Água quente e arroz quente. Sal. Pingo de cerveja. Vinte minutos. Lasanha quase boa, arroz ainda precisa cozinhar. Acendo uma vela, sem motivo. Algum tempo se passa, mas o céu continua nublado, o domingo continua o mesmo. Só que agora mais saboroso, afinal tem comida pronta.